A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) tem reconhecido, por meio de reclamações, a possibilidade de adoção de outras formas de contratação de trabalhadores, que não as regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Eles vêm cancelando decisões que admitem vínculo de emprego e encaminhando esses casos para a Justiça comum, por considerar que envolvem contratos comerciais.
Em decisão recente, o ministro Edson Fachin se rendeu ao entendimento da maioria. Até então, ele se posicionava contra essas reclamações. Para ele, caberia à Justiça do Trabalho analisar, com base em provas, se existiria ou não vínculo de emprego.
Entre 2019 e junho de 2023, mais de 780 mil casos envolvendo pedidos de reconhecimento de vínculo foram levados à Justiça do Trabalho, segundo balanço da Procuradoria-Geral da República (PGR). O órgão, em julgamento de uma reclamação, já defendeu no STF um debate mais aprofundado sobre o tema.
Essas reclamações têm como base o julgamento do STF sobre a possibilidade de terceirização ampla e irrestrita – atividades meio e fim (ADPF 324). Normalmente, os ministros aceitam a tese de que essas contratações, por meio de pessoa jurídica, por exemplo, seria uma forma de terceirização lícita.
Fachin analisou reclamação de um hospital contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho paulista (TRT-SP) que reconheceu vínculo de emprego em processo ajuizado por uma médica. O valor do processo é de R$ 6 milhões (Rcl 61492).
Ele afirma, no texto, que tanto a 1ª quanto a 2ª Turma, da qual faz parte, têm entendimento consolidado a favor dessas reclamações. Cita algumas decisões da 2ª Turma (Rcl 53091 e Rcl 53327), relatadas por ele, e da 1ª Turma (Rcl 57614).
Ele destaca, na decisão, que ressalva seu entendimento pessoal para seguir os demais ministros da turma, com base no artigo 926, do Código de Processo Civil. Esse dispositivo diz que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Fachin ainda afirma que, nos casos de sua relatoria, vinha defendendo a manutenção da competência da Justiça do Trabalho para verificar se nesses casos estariam ou não presentes os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT, que tratam do vínculo empregatício, como subordinação e habitualidade, entre outros.
“STF está devendo uma análise mais profunda sobre essa questão” — José E. Loguercio
Na opinião de Fachin, essa questão não foi debatida na ADPF 324. Ele acrescenta que, nesse julgamento, ficou estabelecido que fraudes deveriam ser analisadas pela Justiça do Trabalho. “Entretanto, ambas as turmas deste Supremo Tribunal Federal firmaram compreensão pela possibilidade de, via reclamação constitucional, encaminhar tais
discussões à Justiça Comum”, diz.
Para o advogado que assessora o hospital na reclamação, Luiz Guilherme Migliora, sócio do Veirano Advogados, essas decisões têm sido favoráveis principalmente nos casos que tratam de pessoas consideradas hipersuficientes – com diploma de nível superior e
salário mensal igual ou superior a R$ 15 mil.
A decisão do ministro Fachin surpreendeu, segundo o advogado. “Já estávamos preparando recurso. Mas a decisão do ministro Fachin foi muito inteligente, ao reconhecer que já existe maioria formada, e não criar empecilhos, uma vez que a decisão seria reformada pela turma.”
De acordo com levantamento feito pelo Veirano, três ministros sempre votam a favor da tese: Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli. Outros dois, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, seguem o posicionamento e eventualmente, quando há algum detalhe diferente, extinguem o processo. Já André Mendonça, Nunes Marques, Luiz
Fux e Cristiano Zanin oscilam, a depender do caso. Apenas Rosa Weber, que acaba de se aposentar, e Fachin tinham entendimento contrário.
Esse posicionamento tem favorecido as empresas em processos que, em geral, envolvem pessoas com altos rendimentos, segundo Migliora. “São profissionais bem formados, bem remunerados, que têm plenaciência do contrato que assinaram. Anos depois, porém, entram com ações milionárias pedindo vínculo”, diz ele, destacando a tendência no
STF em entender que as pessoas podem ser contratadas livremente por meio de outras modalidades de trabalho, que não as previstas na CLT.
Maurício Corrêa da Veiga, do Corrêa da Veiga Advogados, considera que o STF tem adotado “uma visão muito mais estendida e elastecida acerca da possibilidade de convivência de várias modalidades de prestação de serviços distintas do contrato de emprego”. O entendimento do Supremo, segundo Corrêa, tem sido de que, em
um mesmo ordenamento jurídico, é possível ter um empregado com carteira assinada e outro que, em razão da sua notoriedade e autonomia, pode prestar seus serviços por meio de um contrato de natureza civil.
Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados, também concorda que o Supremo está caminhando para ampliar esse entendimento de aceitação de outras formas de contratação. E não envolve, diz, apenas os hipersuficientes. “Tem sido amplo. Na decisão de Fachin, ele cita decisões contra motoristas de aplicativos. É uma visão mais macro, mais extensiva, que admite outras modalidades, com base no julgamento sobre terceirização.”
José Eymard Loguercio, do LBS Advogados, que assessora trabalhadores, entende, porém, que esses contratos de trabalho, mesmo que não se vinculem com relação de emprego, devem ser apreciados pela Justiça do Trabalho, com base no artigo 114 da
Constituição, que trata de relação de trabalho de forma ampla. Para ele, o STF está devendo uma análise mais profunda sobre a questão. “Uma coisa é a validade do contrato (de relação de trabalho com ou sem subordinação) e outra é a existência de fraude e formação de vínculo.”
Em uma dessas reclamações levadas ao STF, o então procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu para que fosse uniformizada a jurisprudência sobre o tema (Rcl 60620). Segundo ele, seria inadmissível o uso de reclamações porque as teses fixadas no julgamento sobre terceirização não tratam dessas situações.