Está em julgamento na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) um caso de extrema importância para os campos jurídico e econômico, que afeta credores, devedores e até investidores. Trata-se da definição dos juros que incidem sobre dívidas civis em ações judiciais brasileiras. O tema está em foco no RESP 1.795.982/SP, relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão.
Atualmente, os juros da dívida civil estão fixados em 1% ao mês, em conformidade com o artigo 406 do Código Civil, combinado com o artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional (CTN). O tema em discussão é a possível substituição desse índice pela Selic, que cumula juros com correção monetária em um único índice.
Uma mudança dessas teria enormes consequências, todas negativas. Em primeiro lugar, vale destacar que os juros de mora são uma sanção ao devedor inadimplente, enquanto a correção monetária visa apenas recompor o valor da moeda devido à perda do poder aquisitivo ao longo do tempo.
Aqui já nos deparamos com a primeira impropriedade, pois a utilização da Selic, para fins de interpretação do artigo 406 do Código Civil, estaria cumulando juros de mora e correção monetária, o que é incompatível, já que o dispositivo trata exclusivamente sobre a mora. Além disso, em muitas dívidas privadas o termo inicial para incidência da correção e dos juros se dá em momentos diferentes, o que torna impossível o cálculo
pela via da Selic.
A taxa Selic é um índice variável, que sofre alterações frequentes em função da política monetária adotada pelo Banco Central, na medida em que é utilizada, inclusive, como mecanismo para controle da inflação, já tendo passado por muitas oscilações, o que causa imprevisibilidade tanto para quem vai pagar quanto para quem vai receber.
O ministro relator Luis Felipe Salomão, quando iniciado o julgamento, já havia votado contra a utilização da Selic, enquanto o ministro Raul Araújo votou a favor, pontuando que sua incidência seria desde a citação até efetivo pagamento. O julgamento foi retomado em 1º de agosto, na volta do recesso forense, quando o ministro Salomão pediu para complementar e ratificar seu voto anterior, enfatizando que a questão é
extremamente relevante, sendo um tema de política judiciária, que traz muitos desmembramentos.
Em suas lúcidas ponderações, o ministro pontuou que, quando não houver juros convencionados, a interpretação mais equilibrada e razoável, e que acontece em todos os países do mundo (a partir de estudo de direito comparado), é realmente a fixação dos juros em 1% ao mês, fazendo com que não seja uma vantagem dever em juízo. Lembrou, ainda, que a Selic pode ser negativa em alguns meses, causando uma flutuação totalmente imprevisível.
Na dívida civil objeto do recurso em julgamento, a indenização por danos morais de R$ 20 mil, fixada em 2016, equivaleria pela Selic de método composto (índice que a União usa para cobrar suas dívidas) a cerca de R$ 46 mil; já pela Selic simples de acumulados mensais (índice pelo qual a União paga suas dívidas), R$ 37 mil. Agora, com a aplicação dos juros simples de 1% ao mês, o valor estaria por volta de R$ 51 mil, o que
manteria, segundo o ministro, a coerência, o equilíbrio e desestimularia a condição de devedor no âmbito do Direito Privado.
O ministro João Otávio de Noronha votou acompanhando a divergência do ministro Raul Araújo a favor da Selic, entendendo ser o índice ao qual efetivamente se refere o artigo 406 do Código Civil. Já o ministro Humberto Martins votou com o relator a favor dos juros simples de 1% ao mês.
A Corte Especial é composta pelos 15 ministros mais antigos do tribunal, e o julgamento segue em busca de um consenso, tendo o ministro Benedito Gonçalves pedido vista em seguida (que será no formato de vista coletiva). Seu voto deve ser apresentado em 90 dias – contados a partir da data de retomada do julgamento.
A definição vem sendo aguardada por todos com apreensão, uma vez que tem amplo impacto econômico. A escolha da Selic como índice de correção pode desincentivar o pagamento desses créditos. Em um cenário em que a Selic esteja menor do que a inflação – como já vivemos na nossa história recente -, financeiramente valeria mais a pena deixar o dinheiro investido em uma aplicação mais rentável do que quitar seu
débito.
Vale lembrar, ainda, que o simples descumprimento contratual, a princípio, não gera indenização por danos morais, o que poderia incrementar o valor devido. Os juros legais de 1% são o grande fator de estímulo ao devedor para quitar sua obrigação, já que as multas contratuais muitas vezes não são relevantes, até por uma questão de aderência comercial na contratação. Se esse critério mudar, o devedor simplesmente não tem
por que pagar a dívida nos prazos estabelecidos.
Além disso, não dá para desconsiderar que existe hoje no Brasil um mercado robusto de investimentos em ativos judiciais, o que torna o cálculo em projeção bastante vulnerável, desestimulando esse tipo de negócio, que surgiu como alternativa para credores anteciparem seus recebíveis em razão da morosidade da Justiça. Esse mercado seria bastante afetado por essa mudança, causando mais insegurança ao país.
Tanto pelos aspectos jurídicos quanto pelos econômicos, a substituição da remuneração de 1% ao mês pela Selic traria consequências nefastas, gerando, ainda, e apesar de tudo que aqui foi dito, maior judicialização nas relações, já que poderá ser uma estratégia não honrar compromissos para discuti-lo depois em juízo, pagando na melhor oportunidade e prestigiando os interesses de quem deve, cuja lógica se mostra totalmente
disfuncional.