A história da advocacia no Brasil pode ser resumida em quatro etapas. Até o início do século XX, os advogados atuavam de forma autônoma e praticamente sem uso de tecnologia. O mercado brasileiro começou a se profissionalizar na segunda metade do século XX, em função da crescente atuação de empresas estrangeiras. O crescimento das empresas e o surgimento de monopólios demandaram um suporte jurídico mais robusto. O Cravath System, modelo criado pelo advogado americano Paul Cravath para profissionalizar a gestão do seu escritório influenciou os escritórios brasileiros com a contratação de bibliotecários.
Na década de 90, um terceiro estágio começa a vigorar após o surgimento do Código de Defesa do Consumidor (CDC), criando uma área do Direito que, atualmente, responde pelo maior volume de processos judiciais. Trata-se do segmento jurídico que mais utiliza as ferramentas de tecnologia. O quarto ciclo inicia-se no século XXI, com a redução da assimetria existente entre empresas e escritórios de advocacia. As empresas passaram a investir em departamentos jurídicos com profissionais com especialização diversificada. Muitos acreditam que, na atualidade, o principal concorrente dos escritórios é o próprio departamento jurídico interno das organizações.
A transformação do cenário advocacia poderia ser ainda mais diferente se não fosse a regulação brasileira, que impede a prestação de serviços jurídicos por não advogados. O Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906), em vigor desde 4 de julho de 1994, prevê que o exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
No entanto, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 3985/2023, com a proposta de permitir que outros profissionais, com formação superior, possam fazer parte de sociedades de advogados. A matéria aguarda, desde setembro de 2023, ingresso na pauta da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Por conta de percalços legislativos, existe, hoje, uma restrição na capacidade das bancas para atrair talentos de tecnologia, uma vez que não podem utilizar o vesting. O termo refere-se a um mecanismo que concede a profissionais estratégicos a participação societária progressiva, de acordo com o alcance de metas e/ou marcos acordados. Ao mesmo tempo, o Brasil enfrenta um déficit de mais de 500 mil profissionais de tecnologia, dificultando ainda mais a competitividade dos escritórios frente a bancos, seguradoras e empresas de tecnologia.
Nos últimos anos, o cenário transfigurou-se com a chegada de ferramentas como ChatGPT, Gemini e Llama, que redefiniram o acesso à inteligência artificial. Soluções caras e consolidadas no mercado tornaram-se obsoletas frente às capacidades da IA generativa, acessível até para pequenos escritórios. Contudo, as tecnologias horizontais criadas para atender a um público amplo apresentam limitações em usos específicos do mercado jurídico, motivo que deu origem à “IA vertical” com soluções adaptadas para setores específicos.
Uma das maiores mudanças trazidas pela IA é a redução do tempo necessário para executar tarefas jurídicas. Um exemplo notável foi o uso da tecnologia para analisar 200 contratos em menos de uma hora durante uma due diligence de M&A, tarefa que normalmente demandaria centenas de horas de advogados seniores.
Em dezembro de 2024, o Senado Federal aprovou o Marco Legal da Inteligência Artificial (PL nº 2338/2023), que seguiu para a Câmara dos Deputados. Apesar de sua relevância e indiscutível urgência, o Brasil precisa buscar novas soluções jurídicas para que os benefícios da inteligência artificial – inovação já integrada às dinâmicas do Supremo Tribunal Federal (STF) – possam ser alcançados por todo o sistema jurídico do país.