Um dos maiores e mais polêmicos processos de falência do país, o caso da Laginha Agroindustrial S/A – conglomerado de usinas de açúcar e etanol de Alagoas – enfrenta uma nova crise: o destino da Usina Guaxuma, principal ativo do grupo, avaliado em quase R$ 1 bilhão.
Parte dos herdeiros do ex-deputado João Lyra, o fundador da Laginha, e a matriarca da família, que também é credora da massa falida, brigam na Justiça contra um contrato de parceria agrícola nas terras da Guaxuma. Argumentam que o contrato tem longa duração e, se validado, vai promover uma “eternização da falência”.
Há suspeita, além disso, de favorecimento em relação ao edital de contratação, que foi elaborado e lançado pelo administrador judicial da massa falida. O escritório Telino & Barros Advogados Associados, que ocupa o cargo, no entanto, nega qualquer irregularidade.
O conglomerado de João Lyra foi, no seu auge, um dos maiores produtores de açúcar e álcool do Nordeste e um dos principais motores da economia alagoana, chegando a empregar 26 mil pessoas.
Lyra esteve na Câmara Federal entre 2003 e 2007 e entre 2011 e 2015. Ficou conhecido, em seu segundo mandato, como o parlamentar mais rico do Brasil. Mas já naquela época os negócios não iam bem.
Cenário econômico adverso, alto endividamento do grupo e priorização pela atividade política, dentre outros fatores, desaguaram em crise financeira. A Laginha entrou em recuperação judicial no ano de 2008.
Em 2014 veio a falência. Pouco tempo depois, em 2018 – já com a saúde debilitada – João Lyra foi interditado por incapacidade. Ele morreu em 2021, aos 90 anos, por complicações da covid-19.
Participou pouco da novela em que se transformou o processo de falência da Laginha, império que começou a construir nos anos 1950. Metade dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) se declarou impedida para atuar no caso. Com mais um, o processo teria de ser transferido do Estado para o Supremo Tribunal Federal (STF) – algo inédito.
Em vez de um único juiz, a falência, que corre na comarca de Coruripe, é conduzida por uma comissão de juízes de Maceió. Houve mudança várias vezes. Ao todo, dez magistrados já passaram pelo processo.
A comissão atual é composta por três juízes. Emanuela Porangaba, uma das integrantes, também julga o inventário de João Lyra. O processo tramita em Maceió e é outro palco de desentendimentos.
Com a interdição de Lyra, em 2018, sua filha mais velha, Maria de Lourdes, foi nomeada curadora do pai e, depois da morte, ela se tornou a inventariante. Mas a atuação de Lourdinha, como é conhecida na capital alagoana, vem desagradando parte da família.
Quatro de seus cinco irmãos – dentre eles, Thereza Collor, viúva de Pedro Collor de Mello, irmão do ex-presidente Fernando Collor – querem a sua destituição. Eles dizem ter perdido a confiança em Lourdinha. Reclamam da prestação de contas, do uso do dinheiro e também da forma de atuação na falência da Laginha. Alegam, dentre outras coisas, ausência de fiscalização do administrador judicial.
O escritório Telino & Barros é o quinto a ocupar esse posto. Foi nomeado em 2021, depois que o desembargador Klever Loureiro assumiu a presidência do Tribunal de Justiça do Estado e mudou todos os membros da comissão de juízes responsável por julgar o caso. Os novos magistrados trocaram a Laspro Consultores, de São Paulo, pelo Telino & Barros, que tem sede no Recife.
Desde a nomeação, no entanto, o escritório enfrenta resistência. Herdeiros e parte dos credores prefeririam que uma “big four” assumisse o processo de falência da Laginha. Afirmam que o Telino & Barros não tem experiência na função e que, antes de assumir como administrador judicial, já havia atuado como advogado no processo – o que, por si só, seria um impeditivo ao cargo.
Mas a relação azedou mesmo neste ano. Um dos episódios que gerou tensão foi a proposta de contratação do advogado Eugênio Aragão, exministro da Justiça de Dilma Rousseff e coordenador jurídico da campanha de Lula em 2022, como consultor tributário da massa falida. Os honorários, segundo herdeiros e credores, poderiam superar R$ 200 milhões.
Nesse caso, além dos quatro herdeiros de João Lyra, o comitê de credores da massa falida e também a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) se manifestaram contra.
A autorização para a contratação de parceria agrícola da Usina Guaxuma vem para colocar mais lenha nessa fogueira. O edital foi apresentado pelo administrador judicial e teve a chancela da comissão de juízes.
Thereza Collor, seus três irmãos – Guilherme, Antônio e Ricardo – e a matriarca, Solange Queiroz Ramiro Costa, entendem, no entanto, que a solução prioritária, nos termos da lei, é a venda do ativo.
“A falência se processa com a venda dos ativos em conjunto para obter o melhor valor destinado ao pagamento dos credores. A alienação em blocos e sem critério desvaloriza os bens e prejudica a massa falida”, diz Henrique Ávila, sócio do Sérgio Bermudes Advogados, que representa a mãe e os quatro filhos.
Solange é ex-mulher de João Lyra, mãe de seus seis filhos e também credora da massa falida. Ela tem R$ 2,4 milhões a receber. Os valores são devidos em razão de contratos de parceria agrícola anteriores à recuperação judicial e fornecimento de cana-de-açúcar após o deferimento do processo.
Ela, na condição de credora, recorreu no tribunal contra a decisão da comissão de juízes que acolheu o edital proposto pelo administrador judicial. “A celebração de parceria agrícola envolvendo a Usina Guaxuma representa, inequivocamente, uma eternização do procedimento falimentar”, diz na petição.
A venda, por outro lado, afirma, “representaria a imediata conversão do bem em centenas de milhões de reais, montante que seria revertido diretamente para o pagamento da coletividade de credores”.
Há suspeita, por parte dos herdeiros, além disso, de que o leilão possa ter sido direcionado. Eles veem indícios no fato de o edital ter sido publicado somente em Alagoas e ter dado prazo de menos de uma semana para a apresentação das propostas.
Um consórcio de dez empresas de pequeno porte se apresentou. Foi o único proponente. Os herdeiros indicam que cinco das 10 empresas foram constituídas 90 dias antes do leilão e, no mesmo período, outras três passaram por alterações societárias importantes (mudança de controle e mudança de objeto social) para poder participar do consórcio.
Também veem problemas técnicos no edital. Um deles seria a exclusão da usina do contrato. Somente as terras de cultivo no entorno estariam dentro da proposta. Divisão que, segundo eles, seria contrária à lei.
Afirmam, ainda, existir cana em pé nas terras, pronta para colheita, e estimam que essa cana possa ser vendida por dezenas de milhões de reais.
O período de colheita, dizem, ocorre justamente nos meses de agosto e setembro.
Esse contrato, da forma como foi elaborado, no entanto, ainda está pendente de autorização da comissão de juízes responsável pela falência da Laginha.
O escritório Telino & Barros rebateu as acusações dos herdeiros de João Lyra por meio de sua assessoria de imprensa. Informa, de início, que existem diversas ações judiciais em trâmite que inviabilizam a venda da Guaxuma.
Sobre o edital, o escritório afirma que atende todos os requisitos legais e diz ter sido devidamente publicado. “Se encontra inteiramente disponível no site da massa falida”, frisa. Já a fixação de requisitos e aceitação da proposta, pontua, cabem ao poder Judiciário. Cita, ainda, que o comitê de credores da massa falida se manifestou de forma favorável ao contrato de parceria agrícola da Gaxuma.
O Telino & Barros afirma ter mais de doze anos de experiência, atuação nacional, e ter sido nomeado para a função de administrador judicial após criteriosa seleção pelo juízo falimentar.
Os herdeiros de João Lyra, por outro lado, tem enfrentado dificuldades no processo de falência. Há duas decisões judiciais os proibindo de se manifestar. Uma de março de 2022, direcionada a Guilherme, e outra de março deste ano de 2023, focada em Thereza.
Recentemente, o Tribunal de Justiça revisou a decisão de 2022 e permitiu que Guilherme se manifeste nas mesmas ocasiões que a inventariante.
Advogados dos herdeiros dizem que a decisão envolvendo Thereza tem fundamento similar e é de se esperar que também seja revertida em segunda instância.
Advogados afirmam que a vontade dos herdeiros é de que o processo de falência se encerre o quanto antes. A Laginha, como um todo, está avaliada em cerca de R$ 4 bilhões. Eles acreditam que, com uma gestão eficiente, seja possível pagar todos os credores e ainda sobrar dinheiro.