O dinheiro “vivo” caiu em desuso para muitos brasileiros, diante da praticidade proporcionada pelos cartões e pelo recente lançamento do PIX em 2020. Por outro lado, continuam recorrentes notícias veiculadas na imprensa sobre atos ilícitos envolvendo pagamentos em moeda física. Isso porque a legislação não acompanhou a evolução dos meios de pagamento de forma a evitar crimes como lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.
O Real (R$) é a moeda brasileira que tem curso legal no País, ou seja, é o meio de pagamento estipulado pelo Direito para liquidar todas as relações patrimoniais entre os cidadãos. Em outras palavras, ninguém pode recusar o pagamento de determinada obrigação (uma dívida, por exemplo) em moeda nacional, o Real. Tal propriedade, porém, está restrita apenas à moeda física – em papel ou metálica.
Melhor explicando, no sistema monetário brasileiro, basicamente temos três espécies de moeda: moeda física, moeda escritural e moeda eletrônica. A moeda física é aquela que usamos no nosso dia a dia. É o dinheiro que circula nas nossas mãos. A moeda escritural é aquela que circula dentro da contabilidade das instituições financeiras. É a moeda que está no nosso extrato bancário. Antes de ser moeda escritural era moeda física que, ao ser depositada no banco, transformou-se.
A partir daí, fazemos os pagamentos de nossas obrigações transferindo-a de banco em banco. Ela pode voltar a ser moeda física quando, por exemplo, fazemos um saque em dinheiro do banco. Já a moeda eletrônica é aquela que está armazenada num cartão de débito, por exemplo. É a moeda que não está nem nas nossas mãos (moeda física), nem nos bancos (moeda escritural). Ela está armazenada num cartão de plástico. Com ela, fazemos nossas compras e pagamos nossos débitos, sendo aceita como um meio de pagamento muito utilizado na sociedade.
No entanto, conforme dito, dentre essas três moedas, a única que tem curso legal é a moeda física, isto é, ela é a única que não podemos recusar em um pagamento de qualquer operação financeira ou comercial. Diferentemente, a moeda escritural e eletrônica pode ser recusada. Exemplo: se eu tenho um crédito para com determinada pessoa, eu posso recusar o pagamento desse valor por uma TED ou PIX. Como assim? Pode parecer estranho, mas essa é a realidade do direito monetário brasileiro. A razão dessa restrição é que a Lei que instituiu o Real atribuiu à moeda em papel ou metálica essa propriedade, enquanto as outras moedas estão desprovidas dessa qualidade.
Diante dessa realidade, como impedir que seja utilizado dinheiro “vivo” no pagamento de operações realizadas pelas pessoas, se a moeda física tem curso legal? Em especial, como evitar fraudes, como é o caso de compra de imóveis de razoável valor com moeda física?
A resposta a essas questões o Congresso Nacional poderia dar com facilidade. Para tanto, bastaria editar uma Lei que estipule um rol de operações que, obrigatoriamente, deveriam ser cursadas por moeda escritural, ou seja, aquela moeda que tem que passar pelos bancos. Em outras palavras, poder-se-ia editar uma legislação que diga que somente terá validade jurídica e produzir efeitos determinadas operações (por exemplo, compra de imóveis, obras de arte, barcos, aeronaves e prestação de serviços acima de determinado valor etc.), desde que liquidadas por meio de moeda escritural. Com isso, evitar-se-ia um grande número de operações ilegais, em especial, lavagem de dinheiro e sonegação de tributos.
Inclusive, ao retirar a validade jurídica de tais atos e a produção de seus efeitos, a citada Lei inviabilizaria que os órgãos responsáveis por eventual registro dos bens fossem impedidos de fazê-lo, como é o caso dos tabeliães de imóveis. Portanto, não basta existirem regras de conformidade ou regras bancárias que obriguem a informação de certas operações acima de determinado valor aos órgãos públicos responsáveis como ocorre atualmente. Tais normas não são plenamente eficazes uma vez que não impedem a realização das referidas operações e dependem de fiscalização posterior à prática delas. Há a necessidade de atualizar a legislação para impedir práticas de operações em moeda física, invalidando tais atos jurídicos e obrigando-os a serem produzidos por intermédio de instituição financeira.
Muitos poderão criticar dizendo que Brasil ainda tem milhões de pessoas que não
tem conta bancária e essa regra seria inviável. O argumento é válido, mas, certamente, essas pessoas não fariam operações em valores altíssimos como são os casos de fraude recorrentemente veiculados na imprensa. Vemos, inclusive, a utilização dessas pessoas – vulgarmente chamadas de “laranjas” – para a prática de operações ilícitas. Aquele que não tem uma conta bancária não compra bens de alto valor, como imóveis, obras de arte, embarcações, aeronaves ou presta serviços de origem duvidosa.
A verdade é que, à medida em que a tecnologia avança e novos recursos são disponibilizados à sociedade, a legislação brasileira também precisa ser atualizada.
Caso contrário, os órgãos oficiais de fiscalização seguirão “enxugando gelo” enquanto brechas em leis obsoletas são utilizadas para a prática de atos ilícitos. A movimentação de moeda deve ser regulada e existem, sem dúvida, boas alternativas legislativas para se evitar fraudes.