O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) consolidou o entendimento de que aposentados não têm direito a ser indenizados automaticamente por danos morais em casos de contratos de empréstimos consignados considerados inexistentes. Os desembargadores decidiram que, para receber, o autor terá que comprovar que os descontos indevidos o prejudicaram economicamente.
O TJSC foi o primeiro tribunal estadual a uniformizar a questão. Casos isolados já foram julgados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesse mesmo sentido, mas ainda não há uma consolidação de entendimento.
A decisão afeta milhares de ações de aposentados que alegam na Justiça não terem contratado empréstimos consignados. Para advogados, o julgamento, além disso, sinaliza que o entendimento vale para qualquer tipo de contrato – e não só o consignado.
O tema foi julgado pelo chamado Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), usado para a geração de precedentes obrigatórios, em situações com potencial multiplicador. A decisão, do início de agosto, é do Grupo de Câmaras de Direito Civil (IRDR nº 5011469- 46.2022.8.24.0000).
O caso analisado é de uma aposentada que alegou não ter contratado o empréstimo. Ela pediu restituição em dobro, além de indenização de R$20 mil por danos morais, diante da natureza alimentar da verba.
Os descontos começaram em 2010. No início, as parcelas eram de R$ 13. Dez anos depois, em 2020, quando ela resolveu entrar com ação, já estavam em R$ 121. Ela afirmou, no processo, que foi vítima de fraude e que o banco estaria envolvido em diversos casos semelhantes.
Em seu voto, o relator, desembargador Marcos Fey Probst, destacou que a instituição financeira não apresentou o contrato questionado, nem prova de que teria sido realmente firmado. Sem provas, ele declarou a inexistência do contrato e determinou a restituição dos valores pagos.
Porém, estabeleceu que a restituição seja feita de forma simples, uma vez que o último desconto foi feito no dia 30 de março de 2021, data anterior à publicação de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou a devolução em dobro de cobrança indevida contra consumidor (EAREsp 600663).
Já sobre a indenização solicitada, entendeu não haver presunção do dano moral existente. “O percentual aqui desembolsado sempre foi ínfimo em relação ao valor do benefício (R$ 3.620,70 em agosto de 2020)”, disse. Tanto é verdade, acrescentou, “que a beneficiária levou quase dez anos para perceber o fato”. Para ele, “circunstância que só corrobora a irrelevância na sua esfera pessoal”.
Ao fixar a tese, que deve ser aplicada por toda a Justiça de Santa Catarina, o desembargador entendeu que, embora exista a responsabilidade objetiva das instituições financeiras, “não é razoável que descontos no benefício previdenciário da vítima, mesmo que reconhecidamente indevidos, possam por si só dar ensejo à reparação por danos morais”.
Ainda afirmou ser evidente que a natureza alimentar do benefício previdenciário decorre do conceito de dignidade da pessoa humana.
“Entretanto, o atingimento de margem consignável, `ipso facto´, sem maiores consequências concretas, é insuficiente ao reconhecimento de risco de subsistência”, afirmou.
Para que haja indenização, segundo o magistrado, o ofendido deve provar que houve um efetivo comprometimento da sua renda pelos descontos indevidos, que geraram negativação de créditos ou quando há manifesta e comprovada fraude na contratação.
De acordo com a advogada Suellen Poncell, sócia do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia, que assessora instituições financeiras, a tese deve contribuir muito para derrubar pedidos de danos morais presumidos. “Os bancos têm sofrido milhares de ações semelhantes sobre esse tema no país”, diz a advogada.
O tema, afirma Suellen, tem sido alvo da chamada “advocacia predatória” – ações idênticas, ajuizadas em nome de aposentados, pedindo restituições e danos morais. “Como são muitos casos, nem sempre os bancos conseguem localizar a tempo da defesa esse contrato, porque são muitos, e o empréstimo então é declarado inexistente pelo Poder Judiciário e eles têm que pagar.”
Diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e membro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o advogado Marcelo Tapai discorda da decisão. Para ele, há nesses casos um dano moral existente. “Não é um mero dissabor. É algo que gera um problema emocional.”
A tese, acrescenta, deve permitir que o tribunal adote uma interpretação mais ampla de que nenhum desconto indevido por empréstimo deve gerar dano moral presumido. Além disso, Tapai afirma que demonstra que o Judiciário tem negado cada vez mais pedidos de indenização.
“Até existe uma indústria do dano moral, mas quem gera esse dano moral é o prestador de serviços e não o consumidor”, diz o advogado. “Às vezes a pessoa nem sabe que está contraindo um empréstimo.”
Como, em determinados casos, os descontos indevidos são pequenos, afirma Tapai, muitas vezes os aposentados não levam a demanda ao Judiciário. “Porque não compensa discutir esses valores. E os bancos vão ganhando muito com isso”, afirma.