Nas dez maiores varejistas do país com capital aberto, o split payment será aplicado a cerca de R$ 12 bilhões em tributos de consumo, aponta Peers Consulting + Technology
Embora só deva estar completamente implementada no ano de 2033, a cobrança tributária por meio do método “split payment” preocupa o mercado por causa da estimativa de impacto sobre bilhões de reais do caixa das empresas — especialmente dos grandes players do varejo. Por outro lado, a nova modalidade de cobrança de tributos pode reduzir custos com judicialização, apontam especialistas.
Um levantamento da Peers Consulting + Technology com dez maiores varejistas do país com capital aberto aponta que o método deve ser aplicado ao que hoje equivale a cerca de R$ 12 bilhões em tributos de consumo. Analisando os balanços das companhias e usando uma premissa média para descontar a cobrança do Imposto de Renda, o levantamento estima que o impacto será da ordem de 40% de todos os tributos já pagos pelas varejistas, que somaram cerca de R$ 30 bilhões em 2024.
Esse volume diz respeito aos atuais tributos relacionados ao consumo (ICMS e ISS, nos níveis estadual e municipal, e PIS/Cofins e IPI, no âmbito federal), que serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).
Daniel Chimelli, responsável pelo levantamento, explica que os valores são estimativos, uma vez que o cenário ainda está bastante indefinido e nem as alíquotas dos novos impostos sobre o consumo são conhecidas ainda. “O futuro parece promissor, com a perspectiva de evitar a sonegação e acabar com a guerra fiscal, porém a etapa de transição tende a ser muito complexa”, analisa.
Hoje, em termos gerais, o valor do imposto está embutido no preço do produto e é pago pela empresa mensalmente, após a venda. Com o split payment, as empresas terão o valor descontado diretamente pela instituição financeira, a cada transação de compra e venda.
A principal preocupação das empresas, segundo especialistas, é com o fluxo de caixa, especialmente considerando as operações em que o consumidor final paga com cartão de crédito, uma vez que a operadora já poderá fazer a retenção do imposto nesse momento. A explicação é da advogada Ana Claudia Utumi, do Utumi Advogados. “Ainda não está claro como vai ficar se a varejista tiver crédito acumulado, mas, a depender da dinâmica adotada, o impacto pode ser significativo”, afirma.
Para fazer essa adequação, as empresas terão que mapear todas as suas obrigações tributárias e adotar medidas para evitar surpresas, complementa Gustavo Brigagão, do Brigagão, Duque Estrada Advogados. “As empresas terão de rever o seu fluxo de caixa, severamente comprometido principalmente nas compras a prazo, renegociar com fornecedores, revisar estruturas de custos, buscar linhas de crédito e pensar em um planejamento financeiro individualizado que faça sentido”, afirma.
Segundo ele, a principal dúvida nessa fase inicial, antes da implementação das alterações, é sobre como se dará a transição do antigo formato de tributação para o novo, “tendo em vista a complexidade que será ter de lidar, durante vários anos, com dois sistemas confusos e mal regulados ao mesmo tempo”.
Os contribuintes também ainda não têm clareza sobre como lidar com os créditos acumulados de ICMS. Isso por causa da ausência de correção monetária, o prazo demasiadamente longo para restituição e a sujeição à homologação pelo Fisco, “que é, em regra, feita de forma ineficiente”, afirma o tributarista.
Taymara Fátima Pereira e Paulo de Tarso da Costa Silva ainda apontam, em artigo publicado pelo Valor, que, em comparação com outros países que adotam o mesmo instrumento, o modelo brasileiro é inédito em abrangência. Na Europa, por exemplo, na maioria dos casos, o split payment é adotado para combater fraudes setoriais do Imposto sobre Valor Agregado (IVA).
Por outro lado, segundo Michel Hernane Noronha, do Maneira Advogados, o contencioso judicial vai diminuir muito com a reforma tributária, inclusive pela adoção do split payment. Ele explica que, como os novos impostos, CBS e IBS, terão incidência ampla, isso poderá acabar com a discussão sobre a base de cálculo. O novo sistema tributário também permitirá um creditamento maior do que o atual, o que tende a reduzir discussões entre o Fisco e os contribuintes.
“A própria empresa apura os débitos e os créditos e, se não há divergência a respeito do que será incluído, o saldo dificilmente vai gerar uma disputa posterior”, diz. “Do saldo que for apurado como devido, o próprio contribuinte já pode abater o que foi recolhido via split payment”, explica Noronha.
Essa apuração das empresas continuará sujeita à fiscalização dos órgãos do governo. Se houver divergências importantes, diz ele, a via judicial continuará à disposição, mas essa simplificação na cobrança tributária deve reduzir o volume de execuções fiscais.
Conforme dados do relatório Justiça em Números 2025, compilados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em dezembro do ano passado havia 21,3 milhões de execuções fiscais pendentes no país. Elas representam cerca de 25% do total de casos pendentes e 52% das execuções ainda não finalizadas no Judiciário.
Noronha ressalta que o impacto do split payment deverá ser ainda maior para os devedores contumazes, que fazem a apuração do imposto e optam por não pagar. Essa deixa de ser uma possibilidade quando o desconto é feito diretamente sobre a transação, explica o especialista.
Um estudo da Receita Federal aponta que, na última década, o país deixou de arrecadar R$ 200 bilhões de cerca de 1.200 empresas que não recolheram tributos. O levantamento foi citado pelo senador Efraim Filho, relator de um projeto de lei que prevê regras mais rígidas para lidar com esse problema. O PLP 125/2022 já foi aprovado pelo Senado e tramita na Câmara dos Deputados.
Procuradas pelo Valor, a PGFN não quis comentar o tema, e a Receita Federal não deu retorno até o fechamento da reportagem.
Fonte: Valor Econômico



