O dano-morte é um conceito que ganhou destaque após as decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) em ações envolvendo familiares de vítimas do acidente de Brumadinho em 2019. Antes pouco debatido pela jurisprudência brasileira, apesar de já consolidado em diversos países, o conceito ganha agora um destaque importante, capaz de alterar significativamente as discussões de responsabilidade civil por acidentes fatais de
trabalho.
Em julgamento no fim de junho, a 3ª Turma do TST confirmou a decisão que determinou o pagamento de indenização por dano-morte para os familiares dos 131 trabalhadores que perderam a vida na tragédia de Brumadinho. Cada família deve receber R$ 1 milhão. A indenização já havia sido deferida em primeira instância e confirmada pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) na ação coletiva proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria e Extração de Ferro e Metais Básicos de Brumadinho e Região (Metabase).
A posição da Corte Superior Trabalhista, agora, sinaliza que o tema deverá ser enfrentado em todas as ações que tratam de acidentes fatais, incrementando o risco quando se trata de reparação por acidentes de trabalho. Para se ter uma dimensão da importância dada ao tema, o voto do relator, ministro José Roberto Freire Pimenta, dedica 200 páginas a tratar do cabimento do dano-morte.
A indenização que comumente é discutida na Justiça do Trabalho diz respeito aos danos causados aos herdeiros do trabalhador que faleceu como consequência de um acidente de trabalho – os familiares diretos são indenizados pelo abalo decorrente da perda do seu ente próximo. Ou seja, é um dano próprio dos familiares, pela lesão extrapatrimonial
decorrente da perda de pessoa íntima. A doutrina e a jurisprudência chamam esse dano moral de “reflexo” ou “por ricochete”.
O dano-morte, contudo, entra em outra categoria, que não está expressamente prevista na legislação brasileira, seja trabalhista ou cível. É uma construção pela qual se entende a existência de um dano vinculado diretamente à vítima pelas circunscritas do acidente e o abalo que gerou a ela naquele momento. Caso se entenda que esse dano exista – e o seu consequente dever de indenizar -, o falecimento permite aos herdeiros a cobrança de um crédito, que originalmente seria da própria vítima, mas que é cobrado em seu nome.
Logo, seguindo essa linha, os familiares poderiam reivindicar duas indenizações distintas no caso da morte de um parente em um acidente de trabalho: uma para compensar o abalo moral já próprio dos familiares e outra para compensar o dano que a própria vítima
sofreu imediatamente antes do falecimento.
O dano-morte já é tema discutido e aceito em países como Argentina, Uruguai, Itália, França, Japão, Líbano, China e Portugal. No Brasil, mesmo sem previsão legal, a linha da recente decisão do TST sugere espaço para seu deferimento pela interpretação das normas de responsabilidade civil já existentes. Para quem atua na Justiça do Trabalho em ações que tratam de acidentes fatais, pode ser o sinal de um novo modelo de discussão, que precisa ser estudado com muita cautela.
A decisão do TST faz uma avaliação minuciosa do tema e deve direcionar os primeiros debates sobre o assunto. É um voto que busca consolidar uma tese jurídica que até então não tinha recebido a devida atenção nos tribunais brasileiros, e que deve se tornar um verdadeiro paradigma em relação ao assunto, a ser replicado em diversos casos
trabalhistas.
De todo modo, é importante lembrar que o cabimento da indenização é um tema recente e muito debate ainda vai acontecer. Não há consenso quanto ao tema nem mesmo no próprio TST. Há algumas semanas, por exemplo, a 5ª Turma do tribunal havia analisado uma ação individual de familiares de outra vítima do mesmo acidente de Brumadinho e o resultado foi absolutamente diverso, ainda que sem avaliação do mérito.
No caso em questão, a sentença entendeu que os familiares não tinham legitimidade para requerer tal indenização. Ao analisar o recurso contra essa decisão, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais afirmou, ainda, que o dano não havia se concretizado em vista da morte instantânea da vítima.
O recurso que chegou ao TST buscava reverter esse entendimento, mas em vista da impossibilidade de reavaliação de fatos e provas pelos ministros nessa fase processual, a decisão do tribunal mineiro acabou sendo confirmada. De qualquer modo, naquela ocasião, o ministro Douglas Alencar Rodrigues destacou que, mesmo sem poder analisar o tema em profundidade pelas limitações processuais, se tratava de um tema relevante, cuja análise cuidadosa precisaria ser feita nos próximos anos.
Ainda que decorrente de discussão, o dano-morte certamente será um tema enfrentado nos tribunais nos próximos anos. Esperamos que esse debate também traga luz para a importância das medidas de segurança no ambiente de trabalho – infelizmente, as discussões travadas na Justiça do Trabalho decorrentes de acidentes fatais ainda
são muito mais frequentes do que deveriam.