Setor industrial lidera ranking de recuperações judiciais no país

A indústria liderou, em números absolutos, o ranking de recuperações judiciais no primeiro trimestre do ano – uma a cada cinco empresas eram do setor.

Levantamento do Monitor RGF, da consultoria RGF & Associados, compartilhado com exclusividade ao Valor, mostra 1.112 fabricantes em processo de reestruturação no período, de um total de 4.881 companhias. A maioria deles está ligada ao agronegócio, como usinas de açúcar e álcool, laticínios e frigoríficos.

Depois da indústria, o setor de serviços é o que mais tem reestruturações (1.105), seguido do comércio (996), infraestrutura, energia e saneamento (992), agropecuário (341 casos) e outros (335). O volume total mapeado, de 4.881 empresas em recuperação, é o maior desde o segundo trimestre de 2023, quando se iniciou a série histórica.

Na comparação com o primeiro trimestre de 2024, existem mais 678 empresas nesta situação, um aumento de 16,1%. Já ante os últimos três meses do ano passado, a alta é de 6,9%. Ao todo, 517 empresas iniciaram reestruturações. Mas 231 dessas companhias integram o Grupo Rossi, de incorporação imobiliária. Apesar de terem feito o pedido de recuperação em 2022 e ele ter sido homologado em 2023, houve demora na atualização do cadastro na Junta Comercial, o que fez com que esses dados só fossem contabilizados agora.

No setor industrial, a produção de açúcar lidera o ranking ao lado da fabricação de roupas. Logo atrás vêm os produtores de embalagens plásticas. Depois da agropecuária (produção primária), a indústria tem o maior número proporcional de empresas em recuperação judicial. O Índice RGF de Recuperação Judicial (IRJ-RGF) do setor está em 6,37 – mais de seis empresas a cada mil estão em reestruturação. É mais que o triplo da média nacional (1,98).

Um exemplo é o Grupo Libra Bioenergia, no Mato Grosso, que pediu recuperação judicial com dívida de R$ 534,7 milhões, segundo noticiou o Valor. O pedido foi motivado pelo acúmulo de perdas financeiras, além de alterações no mercado de combustíveis e efeitos causados pela pandemia da covid-19, como a oscilação nos preços das commodities, inflação das matérias-primas e restrições de crédito.

A Bombril e a Ducoco, produtora de água de coco e derivados, também buscaram o Judiciário para negociar dívidas. A Ducoco, de acordo com informações do administrador judicial, André Cruz Sociedade Individual de Advocacia, entrou com o pedido em fevereiro, com passivo de R$ 667,7 milhões alegando que a alta da Selic comprometeu o fluxo de caixa. Já a Bombril, segundo apurou o Valor, informou dívida de R$ 332,8 milhões, além de passivo tributário – que ainda não está em fase de cobrança – de R$ 2,3 bilhões, por operações com a Cragnotti & Partners, antigo controlador.

Para advogados e fontes do setor, a alta da Selic e da taxa de juros são os principais motivos tanto para o aumento do número de empresas em reestruturação no geral quanto para a grande quantidade de indústrias nessa situação. O diretor de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Mário Sérgio Telles, diz que o setor tem muitas companhias de capital intensivo.

“A indústria tem uma necessidade forte de financiamentos para investimentos e isso compromete o endividamento das empresas”, afirma Mário Sérgio. “Grande parte das empresas tem financiamento, então elas são muito dependentes, mais que outros setores”, acrescenta.

Além disso, não há nos programas setoriais (Mais Produção, do BNDES, ou Nova Indústria Brasil, do governo federal), diz o diretor, o mesmo volume de crédito direcionado, como no Plano Safra. “São taxas de mercado e grande parte é para investimento em inovação, máquinas e equipamentos, mas a empresa da indústria é praticamente totalmente ligada à Selic. Então, se há aumento da Selic, se faz sentir imediatamente”, completa.

A perspectiva é de que mais companhias não consigam suportar os custos nos próximos meses, pois a demanda, segundo Telles, indica desaceleração. “Por conta dos juros, desaquecimento do mercado de trabalho e mesma política fiscal com impulso menor, a demanda vai desacelerar mais, eventualmente pode ter reduções no consumo, então a dificuldade para as empresas vai ser maior”, afirma ele, prevendo crescimento de 2% para o setor neste ano – menor que os 3,5% em 2024.

A advogada e administradora judicial Joice Ruiz, vice-presidente do TMA Brasil, diz que as indústrias já vêm alavancadas há muito tempo. “Piorou por causa da covid-19 e a taxa de juros subiu demais. Quando há um crédito a custo alto e empresas super alavancadas, a consequência é essa que estamos vendo.”

Na pandemia, diz, houve a possibilidade de renegociação dos contratos bancários, mas o prazo agora se encerrou. “As próprias instituições financeiras entenderam que não receberiam e tiveram que alongar as dívidas, mas chegou ao final esse prazo e muitas delas não conseguiram pagar”, afirma Joice, estimando que deve ser visto o reflexo disso até, pelo menos, o final do ano.

Apesar de ser um processo desgastante, o grande número de empresas em reestruturação tem impulsionado um mercado de investimentos à parte. “O modelo DIP [financiamento de devedor em recuperação judicial] agrada muito, porque tem uma segurança maior por conta do aval do juiz e não gera discussões futuras”, afirma Rodrigo Gallegos, sócio do RGF & Associados, que tem notado uma procura maior de fundos e bancos para financiar esses casos.

Em nível nacional, a confecção de vestuário é um dos segmentos da indústria com mais empresas em reestruturação, mas o diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Valente Pimentel, diz que “não existe uma crise”. “O setor é muito concorrido localmente e internacionalmente”, afirma Pimentel, citando crescimento de 4,8% do ano passado do setor têxtil e 3,9% do de confecção.

Mas preocupa, acrescenta, o fato de as importações terem crescido mais de 20% em 2024, o que mostra perda da participação de mercado. Com a política dos Estados Unidos de impor altas tarifas contra a China, é provável que o gigante asiático busque escoar produtos para o Brasil. “Isso nos preocupa profundamente”, diz ele, destacando que esse é o principal receio para 2025, ano em que estima que o segmento cresça em torno de 1,5%.

O Estado com pior IRJ-RGF industrial é Alagoas, com 21,48. Mas segundo o presidente da Federação das Indústrias do Estado de Alagoas (FIEA), José Carlos Lyra de Andrade, isso ocorre porque há uma base empresarial proporcionalmente menor do que em Estados mais industrializados. “Faz com que variações pequenas em números absolutos gerem impacto relevante em termos percentuais”, afirma ele, em nota.

Andrade ressalta que os segmentos no Estado com mais empresas em reestruturação são os de construção de edifícios e fabricação de açúcar, ambas fortemente impactadas por ciclos econômicos e Selic. Enquanto o setor imobiliário sofre com retração de crédito habitacional, o sucroalcooleiro “enfrenta desafios estruturais, como a volatilidade do mercado de commodities e maior dificuldade de acesso a financiamentos com juros compatíveis”.

“Estamos confiantes de que, com a redução gradual da taxa de juros e o fortalecimento de políticas de apoio à produção, o setor produtivo alagoano retomará seu ritmo de crescimento e consolidação”, acrescenta Lyra.

Fonte: Marcela Villar — De São Paulo

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