Sentença converte recuperação judicial da Gtex em extrajudicial

Uma sentença da Justiça de São Paulo permitiu que o Grupo GTEX, de produtos de limpeza, convertesse a recuperação judicial em extrajudicial. A desistência ocorreu após mediação e foi motivada pela maior celeridade da reestruturação extrajudicial, além de ser menos custosa. A decisão da companhia teve anuência de mais da metade dos credores, em valor do crédito – o mesmo quórum necessário para aprovar um plano em uma recuperação extrajudicial.

A Lei de Recuperação Judicial e Falência, a nº 11.101/2005, não prevê a conversão, apenas a desistência do processo mediante aval da assembleia de credores, como dispõe o artigo 52º, parágrafo 4º. Segundo advogados, essa é a primeira decisão que permite o procedimento.

A GTEX pediu recuperação judicial em outubro de 2024, com dívida estimada em R$ 345,1 milhões. A decisão que homologou o pedido, em novembro, facultou às partes levarem o litígio para mediação, feita pela Câmara de Mediação e Arbitragem Med Arb-RB. As negociações começaram em 27 de novembro.

Dois meses depois, a GTEX solicitou a conversão, após conseguir o apoio de mais de 57% dos credores – o equivalente a R$ 180,2 milhões em créditos. Só a Multiplik, que oferece crédito para a indústria, tinha R$ 109 milhões desse montante, de modo que o voto dela foi relevante para possibilitar a mudança de rota. Ela ainda concedeu um financiamento DIP equivalente à dívida da empresa, com a participação de outros fundos.

Na petição, a fabricante diz que a recuperação extrajudicial “não demanda a intervenção do Judiciário em boa parte das etapas, permitindo maior flexibilidade nas negociações entre devedor e credor, de maneira mais direcionada”.

Um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de 2022 mostra que a média de tempo de uma recuperação judicial é de quatro anos e dois meses. Já as extrajudiciais levam, em média, dois anos e oito meses. Ou seja, é um ano e meio mais rápida. A pesquisa foi mencionada na ação.

Sete credores se opuseram à conversão, como o Itaú e Caixa Econômica, pela falta de previsão legal e afronta à segurança jurídica, mas os argumentos não foram acatados pela juíza Andréa Galhardo Palma, da 2ª Vara Regional de Competência Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem (processo nº 1002965-90.2024.8.26.0260).

As instituições financeiras alegaram, nos autos, que a empresa não poderia pedir a recuperação extrajudicial após a judicial, por conta da vedação prevista no artigo 161, parágrafo 3º, da lei de insolvência. O dispositivo diz que “o devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 anos”.

Mas para a magistrada a previsão não se aplica ao caso. “Uma vez que as devedoras deixarem de figurar como empresas em recuperação judicial em todos os seus efeitos, é perfeitamente cabível a análise do pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial”, afirma ela, acrescentando que ter a maioria dos credores aprovando a conversão é suficiente para permitir o procedimento.

A administradora judicial do caso, Joice Ruiz, da AJ Ruiz Administração Judicial, diz que a decisão é inovadora e que é possível a mudança. “Não tem previsão na lei, mas também não tem proibição e isso sim seria um empecilho”, afirma Joice, que deu parecer favorável desde que houvesse quórum, o que foi cumprido.

Samantha Longo, sócia do Longo Abelha Advogados e membro do Fórum Nacional de Recuperação Empresarial e Falências (Fonaref) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), diz que normalmente o caminho adotado é o oposto – da recuperação extrajudicial para a judicial. “Mas aqui conseguiram por conta de um trabalho de mediação”, afirma.

Segundo Samantha, na extrajudicial não há divisão de classes, então há mais liberdade para organizar e negociar com os credores. “É muito mais rápido porque o devedor já chega para o Judiciário com a negociação pronta”, afirma. Também é menos custosa, pois não há administrador judicial na maioria dos casos – apesar de muitos juízes nomearem.

O advogado Otto Gübbel, do escritório de mesmo nome e que representa a GTEX, diz que propôs a mudança de rumo porque uma empresa em recuperação judicial tem pouco acesso a crédito, já que o rating dela é rebaixado. Além disso, no momento do pedido de recuperação judicial, “os credores não estavam dispostos a conversar”.

“Depois da decisão de processamento, a própria juíza possibilitou a conversão. Então, quando se tem o controle do litígio e o Judiciário apoiando uma mediação, isso muda tudo”, diz. Segundo ele, o DIP (o qual outros credores ainda podem aderir) permitiu que o grupo voltasse a faturar R$ 100 milhões por mês – número semelhante ao de antes da crise. “O efeito da decisão é sensacional. A empresa continua ganhando mercado e a curva de soerguimento será muito mais rápida.”

Fonte: Marcela Villar — De São Paulo

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