Perse: em busca dos benefícios perdidosÉ evidente que a aplicação dos benefícios fiscais do Perse, apesar de ser umamedida positiva para a recuperação de setores gravemente afetados pela pandemia,é repleta de nuances e desafios práticos

Como no filme “Indiana Jones e os Caçadores da Arca Perdida”, o ProgramaEmergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado pela Lei nº14.148/2021, parece estar num labirinto cheio de armadilhas e enigmas. Empresasque buscam os benefícios fiscais prometidos se deparam com uma jornada deobstáculos legislativos e burocráticos, como se estivessem tentando decifrar umantigo mapa para encontrar um tesouro perdido.


O objetivo original do Perse, como o mítico artefato de Indiana Jones, parecia claro ereluzente no início: promover a retomada e recuperação de setores diretamenteafetados pela pandemia da covid-19, como o de eventos e turismo, por meio dadesoneração de tributos para empresas que realizavam atividades específicaslistadas no rol de Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAEs). Noentanto, à medida que as regras foram sendo alteradas, o caminho para essesbenefícios tornou-se mais tortuoso e desafiador. Empresas que antes seenquadravam confortavelmente nas regras agora enfrentam exigências e restrições.

Ao longo do tempo, ocorreram alterações substanciais na legislação, e, dentre ospontos mais críticos da aplicação do Perse, estão os aspectos: (i) temporal dasalterações no rol de CNAEs, (ii) a discussão sobre a restrição ao CNAE principal; e (iii)a obrigatoriedade de inscrição no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos(Cadastur).


Em primeiro lugar, a questão temporal é central para entender a abrangência dosbenefícios fiscais do Perse. A lei original de 2021 estabeleceu que as empresaspoderiam usufruir dos incentivos fiscais se, em 18 de março de 2022,desenvolvessem atividades listadas nos CNAEs constantes das Portarias nº7.163/2021 e nº 11.266/2022, além do próprio artigo 4º da Lei nº 14.148/2021. Aprincípio, a compreensão desses benefícios era clara: as empresas que exercessemessas atividades nas datas estabelecidas e tivessem o código CNAE adequadoestariam aptas a usufruir das desonerações fiscais. Entretanto, a complexidadecomeçou a surgir quando alterações no rol de CNAEs foram introduzidas, primeiropela Lei nº 14.592/2023 e, posteriormente, pela Lei nº 14.859/2024. Essas mudançastrouxeram diferentes datas de corte para a aplicação dos benefícios tributários,impactando profundamente empresas cujas atividades foram retiradas da listainicial.


No caso do PIS, Cofins e CSLL, o rol da Portaria nº 7.163/2021 foi válido até abril de2023, enquanto para o IRPJ ele foi aplicável até dezembro de 2023. Já os códigosincluídos na Portaria nº 11.266/2022 e no artigo 4º da Lei nº 14.148/2021, em suaredação original, têm sua aplicação a partir de maio de 2023, mas com prazosdistintos para cada tributo. A partir de maio de 2024, para fins de aproveitamentodos benefícios, todas as empresas deveriam atender às novas exigênciasintroduzidas pela Lei nº 14.859/2024, que, entre outras coisas, alterou o rol de CNAEscontemplados pelo Perse.


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Outro aspecto relevante, mas que não trouxe grandes novidades no entendimentoda matéria, é a questão da restrição ao CNAE principal. A princípio, poderia haveruma discussão sobre a aplicabilidade dos benefícios fiscais apenas às atividadesdesempenhadas sob o CNAE principal da empresa. Entretanto, tanto a Solução deConsulta nº 255 da Receita Federal, de 6 de setembro deste ano, quanto a próprialegislação do Perse deixam claro que não há essa restrição, e que o benefício seestende também às atividades desenvolvidas sob CNAEs secundários, desde queessas atividades estejam relacionadas ao setor de eventos e constem no rol deatividades contempladas pela legislação.


O ponto de atenção, no entanto, está na exigência de que o CNAE secundário sejauma atividade preponderante, ou seja, deve ser demonstrado que a empresaefetivamente exerce aquela atividade de forma significativa, seja isoladamente oucumulativamente com outras atividades.


Essa exigência, embora não seja uma novidade, é um ponto sensível, especialmenteconsiderando que alguns tribunais têm exigido prova efetiva do exercício daatividade correspondente ao CNAE secundário para acolher a pretensão a respeitodos benefícios fiscais do Perse.


Por fim, outro aspecto relevante é a inscrição no Cadastur. A Lei nº 14.859/2024acrescentou outra exigência temporal, ao determinar que, para os CNAEs listados noparágrafo 5º do artigo 4º, a pessoa jurídica deve possuir inscrição no Cadastur entre18 de março de 2022 e 30 de maio de 2023. Esse requisito adicional pode ser umobstáculo para empresas que, por algum motivo, não se inscreveram no Cadasturdentro desse período.


Diante de todos esses pontos, é evidente que a aplicação dos benefícios fiscais doPerse, apesar de ser uma medida positiva para a recuperação de setoresgravemente afetados pela pandemia, é repleta de nuances e desafios práticos.Empresas que originalmente se enquadravam nos requisitos podem, ao longo dotempo, ter perdido o direito aos benefícios devido a alterações no rol de CNAEs oupor não atenderem a exigências formais, como a inscrição no Cadastur. Além disso,a questão do CNAE secundário e a exigência de comprovação do exercício daatividade preponderante acrescentam uma camada extra de complexidade para aobtenção dos incentivos fiscais, no contexto de um governo que faz malabarismopara cumprir a meta de equilíbrio fiscal.

Fonte: Valor Econômico , 10/12/2024.
Eduardo Muniz M. Cavalcanti é mestre em Direito Público e doutorando emDireito e Economia na FDULisboa e sócio da Bento Muniz Advocacia
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. Ojornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelasinformações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência douso dessas informações

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