O Projeto de Lei (PL) n° 6.204/2019, em trâmite na Comissão de Constituição, Justiçae Cidadania (CCJ) do Senado, busca sanar o acúmulo de execuções civis nos tribunais- um dos grandes gargalos, se não o maior, enfrentado pelo Judiciário brasileiro. O objetivo de “simplificar e desburocratizar a execução de títulos executivos civis e, por conseguinte, alavancar a economia do Brasil”, seria alcançado com a delegação das execuções civis pela Justiça Cível aos tabeliães de protesto, conforme determina oartigo 4º do PL.
O projeto estabelece que os tabeliães ficariam responsáveis por verificar os pressupostos das execuções, realizar a citação do executado para pagamento do débito, efetuar penhora e avaliação de bens, praticar atos ex propriatórios, dentre outras atribuições. É um sistema já adotado pela maioria dos países europeus, nos quais a execução de títulos é realizada sem qualquer interferência do Poder Judiciário. O PL espera que os credores recebam – ou ao menos busquem receber -de forma mais rápida e efetiva os valores devidos, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário.
Além de evidentemente contribuir para a desobstrução da máquina judiciária, a transferência das execuções civis aos tabeliães de protestos constitui uma ferramenta eficaz para a célere, simples e econômica prestação da tutela jurisdicional. A experiência aponta que a descentralização do Judiciário, quando possível, é uma importante ferramenta para a solução de litígios, como é o caso, porexemplo, dos inventários e divórcios extrajudiciais, nas hipóteses em que autorizados por lei.
Um mecanismo adicional de desjudicialização, portanto, seria muito bem-vindo para aliviar ainda mais a sobrecarga de processos do Judiciário, sobretudo quando se fala em processos executivos. Em levantamento realizado em 2022, o Conselho Nacionalde Justiça (CNJ) apurou que as execuções civis tinham duração média de cinco anos enove meses. Somadas com as execuções fiscais, elas representaram mais da metade(53,7%) das ações em trâmite nas Justiças Estadual e Federal.
Os números são estarrecedores e apenas reforçam a necessidade de se encontraralternativas para desafogar o Judiciário, trazendo – principalmente aos credores – uma via efetiva e rápida para resolução dos conflitos executivos. Mais do que isso, aaprovação do PL está em linha com o que determinam os princípios de duração razoável do processo e da efetividade, ambos em prol da satisfação dos créditos civis.
Os esforços da iniciativa mundo a fora são dignos de registro, mas algumas peculiaridades no Brasil ainda merecem debate e reflexão. O maior problema que os credores enfrentam, e que atrasa a marcha das execuções civis no país, é o delocalizar bens que sejam passíveis de constrições ou expropriações. Muitas vezes, os devedores dilapidam seu patrimônio ou o pulverizam, transferindo os bens para familiares e terceiros com o propósito de frustrar a execução.
Em outros casos, eles de fato não dispõem de patrimônio. Em relação a esse segundo aspecto, um levantamento realizado em agosto deste ano pelo Serasa constatou aumento de 320 mil inadimplentes no Brasil em relação ao mês anterior. Segundo a plataforma, 71,74 milhões de brasileiros estão em situação deinadimplência – ou seja, aproximadamente 1/3 da população do nosso país.
É evidente que o cenário de alto número de inadimplentes não beneficiaria em nadaos credores, mesmo com a transformação do PL em lei. Afinal, a problemática recorrente de recebimento do crédito persistiria nos casos em que os devedores não têm patrimônio (deliberadamente ou não).
O PL também não pode ser visto como uma espécie de pedra angular para a desobstrução total do Judiciário. Diante da forte cultura litigante da população brasileira, grande parte das execuções civis fatalmente acabarão sendo levadas ao Judiciário para discutir os títulos sobre as quais elas se fundam e até mesmo para a implementação de eventuais medidas coercitivas contra o devedor.
Isso porque, ainda que o procedimento tramite perante um cartório de protesto, issonão significa que a execução civil não descambará eventualmente para o Judiciário em algum momento. O próprio PL prevê que caberá ao juízo competente sanar eventual dúvida relevante suscitada pelas partes ou terceiros (artigo 4, IX e X), nocaso de oposição de embargos à execução, impugnação em caso de dúvidas ou determinação de medidas coercitivas (artigos 18, 20 e 21, parágrafo 1º).
Mesmo assim, sem entrar no mérito das questões relacionadas à constitucionalidade de alguns dispositivos, o PL é um evidente avanço. Se o devedor tiver bens para saldar o crédito, e vontade de cumprir suas obrigações, sem discutir necessariamente a validade e a higidez dos títulos, a regulação será formidável e muito mais célere. A aprovação do PL representaria a entrada do Brasil em uma tendência europeia de desobstrução do Judiciário e de facilitação de perseguição de créditos de execuções civis.