A contribuição assistencial e a folha de pagamento

Tem sido amplamente divulgada a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca da legalidade da cobrança da contribuição assistencial pelos sindicatos, negociada por meio de convenções coletivas ou acordos coletivos de trabalho, alcançando inclusive empregados não filiados à organização laboral da categoria a qual pertencem, desde que garantido o direito de oposição do trabalhador. 

Em um primeiro momento, a reação geral foi de uma sensação de retomada da antiga “contribuição sindical”, popularmente conhecida como imposto sindical. Ao longo dos dias, com as devidas explicações por parte dos juristas e da imprensa, foi ficando claro para todos a diferença entre as duas cobranças.

Porém, mesmo entre muitos especialistas em Direito do Trabalho, departamentos de recursos humanos e sindicatos, resta ainda a memória e a herança do antigo imposto sindical, que aparentemente está contaminando o debate sobre os efeitos práticos da decisão do STF. Qual seja: o desconto automático da contribuição assistencial sobre a folha de pagamento.

Para entrar nessa seara, vale a pena revisitarmos a tese de repercussão geral fixada no Tema 935: “É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição”. Perceba-se que o Supremo apenas reconheceu a constitucionalidade da cobrança e em momento algum determinou que ela deva ser realizada pelas empresas, por meio de descontos dos salários de seus empregados, diretamente na folha de pagamento.

Esse entendimento generalizado é equivocado e provavelmente decorre de um apego à tradição, ou seja, remete a como a cobrança do antigo imposto sindical era realizada no passado, por meio do desconto em folha de pagamento sobre o salário do empregado, a encargo do empregador, que então repassava os valores ao sindicato. Não descartamos totalmente que essa velha prática possa ser retomada mais à frente, mediante alteração legislativa e/ou com a anuência do Judiciário. No entanto, neste momento, temos que nos
ater à legislação estabelecida na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que impede textual e explicitamente que isso seja feito.

 

Prova disso é o artigo 611-B, onde a CLT é muito clara ao dispor sobre os direitos do trabalhador que não podem ser suprimidos ou reduzidos por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho. Dentre estes está a proibição de que o trabalhador sofra, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos
nesse tipo de negociação.

Perceba-se que o “direito de oposição”, presente na tese aprovada pelo STF, representa justamente uma chancela ou reconhecimento à previsão já estabelecida na CLT, de forma a afastar qualquer margem para interpretações e práticas alternativas, como alguns sindicatos já estão adotando, segundo relatos na imprensa. Por outro lado, a decisão do  Supremo, em conjunto com a CLT, deve ser um balizador muito sólido para que as empresas definam qual será seu posicionamento acerca da cobrança da contribuição assistencial
neste primeiro momento.

Isso será essencial porque se um empregado ajuizar uma ação trabalhista em desfavor do empregador, cobrando a restituição do valor que foi descontado ilicitamente do seu salário e repassado ao sindicato, não temos nenhuma dúvida de que é alta a probabilidade de a empresa ser condenada com base no artigo 611-B, inciso XXVI, da CLT.

 

Os sindicatos, por sua vez, poderão ir em busca de seu crédito. Mas essa cobrança terá que ser realizada pelas vias normais, identificando e criando formas alternativas como envio de boletos, por exemplo, como qualquer associação ou condomínio cobra seus devedores, e jamais com desconto do trabalhador diretamente na folha de pagamento.
Há que se levar em conta ainda nessa cobrança o direito de oposição. Podemos perceber que obviamente existe aí uma violação ética, além de abuso de direito e, flagrantemente, do princípio da boa-fé objetiva em algumas práticas que vem sendo anunciadas por parte de alguns sindicatos.

É evidente, na nossa concepção ao menos, que o empregado pode exercer o direito de oposição a qualquer tempo, não cabendo ao sindicato regular marcos temporais para que tal direito seja exercido. Práticas como a exigência de “pague primeiro; depois, se acaso se opuser, então será devolvido”, ou ainda a cobrança de uma taxa para exercer o direito de oposição, não correspondem nem ao que foi decidido pelo Supremo, nem, outra vez, ao imperativo ético e à boa-fé que deve marcar as relações jurídicas.

Certamente esse tema ainda gerará um grande debate e os empregadores devem ter atenção máxima ao tema, à medida que sua decisão interna de privilegiar o entendimento dos sindicatos ou de seus próprios empregados estará sob escrutínio de ambos os lados, inclusive com impactos em possíveis ações judiciais.

Não há dúvida de que a decisão do STF deixou algumas lacunas. Mas o desconto da contribuição assistencial na folha de pagamento certamente não é uma delas, já que essa lacuna há muito está preenchida pela CLT.

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