Advogados estão de olho em dois filões de mercado em curva de recuperação depois do baque da pandemia da covid-19: turismo e entretenimento. Bancas de advocacia estão se reestruturando com equipes multidisciplinares e o uso de tecnologia para atuar com foco nessas indústrias. Um dos desafios, dizem, é tentar prevenir a extrema judicialização, o que afeta toda a cadeia econômica.
Neste mês, uma crise se instalou com a suspensão repentina de pacotes de viagem promocionais, pela 123milhas, o que colocou o modelo de negócio da empresa na mira do Ministério do Turismo. A atuação é semelhante à do Hurb, antigo Hotel Urbano, que também cancelou pacotes de clientes no começo do ano.
Depois de praticamente “desligar” na pandemia, o setor de turismo vem apresentando sinais de recuperação. No primeiro semestre deste ano, teve crescimento de quase 15% em relação ao mesmo período de 2022 e faturou R$ 112,4 bilhões – o melhor desempenho desde 2015, de acordo com a FecomercioSP, que congrega sindicatos de empresários do comércio de bens, serviços e turismo no Estado.
“Com o aumento de consumo cresce a judicialização e as fiscalizações. Existe uma necessidade forte de atuação preventiva e de governança para evitar processos”, afirma o advogado Jayme Barbosa Lima Netto, coordenador da nova área com foco nos setores do turismo e do entretenimento do escritório Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA). São, ao todo, 200 advogados, especializados nas áreas cível, de relações de
consumo, trabalhista, tributário e de recuperação de crédito.
Segundo pesquisa da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), publicado neste mês de agosto, 64% das empresas já ultrapassaram nos primeiros seis meses do ano a marca dos 100% de receita do mesmo período de 2022. O resultado é puxado, principalmente, pelas viagens internacionais. Lisboa e Orlando são os destinos mais procurados.
O Mattos Filho, uma das maiores bancas do país, tem um grupo de advogados focado em turismo e hotelaria. O escritório tem observado, desde 2018, crescimento dos serviços jurídicos nessas áreas. Mas no primeiro semestre do ano, o volume de trabalho aumentou 60% e as receitas ordinárias 65%, em comparação com igual período do ano passado.
“Esse mercado apresenta grande potencial de crescimento” — Mauricio Fittipaldi
O resultado é composto, segundo os sócios Rossana Duarte e Adriano Moura, por um mix de agendas positiva e negativa. Isso quer dizer que os advogados têm lidado com o rescaldo da crise gerada pela pandemia, enquanto, em paralelo, começam a atuar em projetos de investimento na esteira do movimento de retomada.
Moura cita como exemplo de rescaldo o litígio sobre a redução do benefício do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), que reduziu a zero o Imposto de Renda (IRPJ), CSLL, PIS e Cofins por cinco anos. A discussão atual é se uma lei editada pelo governo poderia reduzir o escopo do incentivo fiscal.
“Os tribunais estão divididos. O principal problema hoje é a imprevisibilidade em um momento de retomada. O empresário não sabe se terá fôlego para expandir e investir”, afirma Moura, sócio da área tributária.
Rossana, sócia da área de negócios imobiliários, aponta que parte do trabalho do escritório tem sido em empreendimentos de hotéis de luxo no Nordeste. Nos grandes centros, como Rio e São Paulo, acrescenta, não há lançamentos de hotéis, apenas movimentos de trocas de bandeira.
“Não dá para dizer ainda que é uma resposta otimista”, diz.
Ellen Gonçalves, CEO do PG Advogados, conta que o escritório tem investido para atuar em várias frentes para o setor. Análise de dados por inteligência artificial, jurimetria, avaliação de reincidência de reclamações são algumas delas com foco em evitar litígio, corrigir rotas e melhorar o negócio.
Relações institucionais com os órgãos de proteção ao consumidor, além de uma consultoria prévia com as equipes de marketing das empresas são outras medidas adotadas pela banca.
“A maior parte dos problemas nasce por falta de clareza na oferta, na informação prestada ao consumidor”, afirma Ellen, vice-presidente da Comissão de Direito do Consumidor da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP).
Advogados concordam que o desafio atual mais complexo no setor de turismo é a gestão dos agentes que compõem toda a cadeia econômica.
Isso porque é preciso monitoramento de como os stakeholders (colaboradores, fornecedores) estão atuando.
“Os modelos de negócios e as imagens dos diversos agentes estão atrelados”, diz Ellen. “O cliente pode ter sido bem atendido na aquisição do pacote, mas ter problemas ao fazer o check-in. Para o consumidor é uma coisa só, é uma única experiência.”
A retomada de shows, eventos e espetáculos também tem movimentado as bancas de advocacia no pós-pandemia. A OAB-SP, inclusive, tem mirado os refletores para o setor de entretenimento. Tem chamado a atenção dos profissionais – especialmente aqueles em início de carreira – para a oportunidade de prestação de serviços jurídicos na área.
O banner de um evento realizado pela entidade no início de junho, anunciava: “R$ 150 bilhões em negócios esperam por uma advocacia especializada”. O evento reuniu 700 pessoas e lotou o auditório da sede da Rua Maria Paula, na capital paulista.
O montante bilionário consta na Pesquisa Global de Entretenimento e Mídia (E&M) 2022-2026, feita pela consultoria PwC, que conclui: “O que fica claro com base nos dados e nas previsões é que o vasto complexo de E&M está crescendo mais rapidamente do que a economia global como um todo”.
O diagnóstico da OAB-SP é que existem poucos profissionais especializados para atuar nesse mercado, apesar da grande quantidade de advogados no Brasil – são 1,3 milhão, o equivalente a um profissional para cada 164 habitantes.
“Muitas vezes é difícil se colocar em áreas tradicionais do direito. Esse mercado apresenta grande potencial de crescimento e de absorver o contingente”, afirma Mauricio Fittipaldi, presidente da Comissão de Mídia, Entretenimento e Cultura da OAB-SP. “Os escritórios advocacia estão começando a enxergar potencial desse mercado”, acrescenta.
Fittipaldi esclarece que a área de entretenimento vai muito além de eventos presenciais. Especialmente a partir de uma mudança de comportamento do consumidor na pandemia, tem envolvido áreas promissoras de streaming, games, produção de conteúdo, além de regulação da atividade de influenciadores digitais.