Em resposta aos incêndios em boa parte do Brasil, o presidente Lula anunciou a criação de uma autoridade climática. Especialistas e membros do governo federal apressaram-se em afirmar que, para alcançar sucesso, o órgão precisa ter perfil técnico e gozar de autonomia em relação à esfera política. Corroborando esse discurso tecnocrático, o próprio presidente afirmou que o órgão contará com um comitê técnico-científico.
Além da preocupação com a qualidade técnica do órgão, é necessário considerar a necessidade de uma maior accountability da ciência utilizada para fins regulatórios. O poder público tem o dever prestar contas de suas atividades ao seu constituinte: a sociedade.
A busca por uma atuação baseada na ciência e livre de influências externas não pode significar que os cidadãos estarão alijados das decisões que afetam suas vidas.
Desconsiderar a noção de accountability traz, pelo menos, dois prejuízos à atuação do Estado como regulador dos riscos climáticos. Em primeiro lugar, reduz-se a legitimidade democrática do Estado. Em segundo lugar, discursos tecnocráticos geram um déficit na eficácia da atuação do Estado.
Ao lidarem com os riscos climáticos, formuladores de políticas e reguladores recorrem ao conhecimento científico com o objetivo de obterem resposta para aquilo que consideram ser o problema regulatório. Nesse sentido, a participação das partes afetadas e do público em geral auxilia as autoridades a delimitarem o problema regulatório (isto é, a definirem o que está no centro das preocupações da sociedade). Sem essa articulação, a ciência pode acabar sendo chamada para responder questões adjacentes, o que pode gerar desconfiança no trabalho realizado por cientistas e autoridades e produzir soluções regulatórias deficientes e de baixa adesão.